radio gosoel

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

trade marketing 2

Trade marketing sem miopia – Um novo conceito de relacionamento com a revenda
Roberto Lira Miranda
Ao longo dos últimos 40 anos conheci, por dentro, mais de uma centena de empresas industriais, entre médias e muito grandes, cuja produção é escoada através do varejo. Em seu relacionamento com a revenda a palavra mais mencionada é “amizade”. No entanto, o que mais encontrei foram sentimentos de grave ressentimento recíproco.

Um dos exemplos mais dramáticos que registrei, data da década de 80. Eu conduzia uma apresentação sobre a tecnologia de “desenvolvimento de revendedores” para um grupo de altos executivos de vendas de empresas líderes de mercado em várias categorias de produtos de consumo. Essa apresentação continha a idéia que as empresas industriais precisavam mudar o enfoque de seu relacionamento com os revendedores, para sair de uma postura “vendedor versus comprador” para uma postura “vendedor + vendedor”, encarando e tratando os revendedores de seus produtos não como “compradores” desses produtos, mas como os legítimos “vendedores” desses produtos, o que, na realidade, eles são. Ao término da reunião, um dos gerentes presentes comentou que se eles conseguissem implantar em sua empresa apenas essa idéia básica, isso já seria um grande progresso. Lamentou que, em sua empresa, a ótica não fosse ainda nem a de um relacionamento “vendedor X comprador”, mas a de um embate “malandro X toupeira”.

A raiz dos problemas de relacionamento entre a indústria e o comércio só pode ser encontrada nos primórdios da revolução industrial e no hábito formado, a partir de então, pela indústria, de encarar e tratar as lojas como compradoras de seus produtos, e pelo varejo, de encarar e tratar as indústrias como fornecedores eventuais. É tão fácil de explicar quanto de entender.

As primeiras indústrias encontraram à sua disposição um mercado consumidor ávido e carente que, ao longo de séculos já vinha sendo atendido, de alguma forma, pelas lojas e feiras existentes, com produtos naturais e artesanais recolhidos à duras penas pelas grandes corporações comerciais (atacadistas) nos quatro cantos do mundo. As primeiras fábricas, ao abrir suas portas, encontraram, esperando na calçada, os compradores dessas grandes empresas atacadistas, dispostos, inclusive, a pagar adiantado pela reserva de toda sua produção. Essas indústrias não tinham nenhum contato com o comércio varejista e muito menos, com o mercado consumidor. Só muito mais tarde, na medida em que novos fabricantes entravam no mercado e na medida em que a “fidelidade” dos distribuidores atacadistas começava a se diluir, foi que elas organizaram suas primeiras equipes de “caixeiros viajantes” encarregados de acessar diretamente as lojas (varejistas) para descarregar seus encalhes.

Até o fim da década de 50, as indústrias chamavam o comércio de “mercado” e os comerciantes de “clientes” (isso, fazem até hoje). Elas concentravam todo seu esforço no sentido de “vender para as lojas”. Se as lojas conseguiam ou não vender os produtos da indústria para os consumidores, era problema da loja.

Sempre que tenho contato com uma indústria de proa, pergunto: “Vocês vendem para as lojas ou através das lojas?”. A maioria responde que vende através das lojas, mas o gerente nacional de vendas de uma empresa líder mundial em seu segmento de atividade me respondeu, pego de surpresa: “Não... eu só vendo para os atacadistas”. E o gerente de treinamento de vendas de uma empresa líder mundial em um segmento de produtos alimentícios me perguntou : “O que você chama de revendedor?”. Minha pergunta é o contrário dessa: “Por que as indústrias chamam de clientes as organizações que vendem os seus produtos?”. Eu sei que é por força do hábito.

Mas eu também sei que, por força do hábito, elas encaram e tratam essas organizações como “compradoras” e não como “vendedoras” de seus produtos. Elas pressionam essas organizações para “comprar” seus produtos; não para vendê-los. Enquanto têm posição para isso, forçam pedidos; quando não têm posição, seja porque não são líderes, seja porque o “cliente” do outro lado da mesa não é um pequeno lojista mas uma grande rede, não raramente vêem-se forçadas a sacrificar margens para garantir a continuidade de seus negócios.

Muitas empresas montaram estruturas poderosas de promoção para amparar as vendas de seus produtos dentro das lojas, ajudando o revendedor a vender. Poucas se dão conta de que os esforços promocionais “doados” ao revendedor não têm efeito sobre a melhoria da capacidade de revenda dos revendedores ou sobre sua motivação para manter esses esforços a longo prazo. O mais comum é que, tão logo cessem os esforços da indústria, cessem seus resultados.

Os ressentimentos, de um e de outro lado, vão se acumulando. Entretanto é necessário e possível reformular esse quadro através de um trabalho bem orientado de construção de “alianças” firmes e permanentes entre os fabricantes de produtos e os revendedores desses produtos.

O caminho para isso não é montar um novo departamento ligado às áreas de marketing e vendas, mas transformar todos os seus vendedores em Trade Marketeers, capazes de apoiar, sistematicamente, as vendas dos revendedores que atendem, garantindo um suprimento sem interrupções de seus estoques. Antes disso, a indústria precisa libertar-se de alguns vícios de origem. Parar de chamar seus revendedores de “clientes” seria um bom começo. Parar de chamar de “venda” as transferências de estoques de mercadorias para os revendedores seria essencial.

O texto de abertura da home-page da Trade Marketing Association holandesa sugere que o trade marketeer é um equilibrista, capaz de conciliar o dilema: “Como posso criar valor e relevância, tanto para meu produtos quanto para o varejista?”

Traremos, quinzenalmente, nesta coluna, respostas para essa questão crucial.

Roberto Lira Miranda (mirandaroberto@uol.com.br) é consultor empresarial e autor do livro Você vende para as lojas ou através das lojas?

Nenhum comentário:

Postar um comentário